A ARTE DE SER AVÔ (AVÓ)
Netos são como heranças.
Você os ganha sem merecer.
Sem ter feito nada para isso, de repente lhe caem do céu…
Sem se passarem as penas do amor, sem os compromissos do matrimônio, as dores da maternidade.
E não se trata de um filho suposto.
O neto é, realmente, o sangue do seu sangue, o filho do filho, mais filho que filho mesmo….
A velhice tem suas alegrias, as suas compensações…
Todavia, às vezes, lhe dá aquela nostalgia da mocidade.
Não de amores nem de paixão; a doçura da meia-idade não lhe exige essas efervescências.
A saudade é de alguma coisa que você tinha e lhe fugiu sutilmente junto com a mocidade.
Bracinhos de criança no seu pescoço.
Choro de criança…. Meu deus, para onde foram as suas crianças?
Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um menino que se lhe é “devolvido”.
E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu direito sobre ele, ou pelo menos o seu direito de o amar com extravagância; ao contrário, causaria escândalo ou decepção.
A avó não tem direitos legais, mas oferece a sedução do romance e do imprevisto.
Faz coisas não programadas.
Leva a passear, “não ralha nunca”.
Deixa lambuzar de pirulito.
Não tem a menor pretensão pedagógica.
É a confidente das horas de ressentimento, a secreta aliada nas crises de rebeldia.
E quando você vai embalar o neto e ele, tonto de sono, abre um olho, lhe reconhece, sorri e diz “vó”, seu coração estala de felicidade, como pão ao forno.
(Rachel de Queiroz)