A Casa Emprestada
No coração de um bosque, onde a natureza reclamava seus espaços, aninhava-se uma velha e robusta casa de barro, redonda e firme, no galho de um Jacarandá. Não era uma casa humana, mas sim o lar abandonado de um laborioso casal de joões-de-barro, que a construiu e a moldou com esmero pelos seus bicos habilidosos. Com sua arquitetura esférica e entrada lateral, era uma fortaleza perfeita contra o vento e a chuva, mas foi deixada vazia após o casal criar seus filhotes na última estação. Agora, repousava silenciosa, como quem aguardava novas histórias.
Certo dia, a tranquilidade do local foi quebrada por um casal de vibrantes periquitos. Eram pequenos, leves e barulhentos como risadas ao vento. Eles eram Juca, o macho, com suas penas verde-esmeralda cintilantes, e Flora, a fêmea, de um verde mais suave e calmo. Procuravam desesperadamente um lugar seguro para começar uma nova família, e a casinha de barro, com sua entrada ligeiramente maior do que o necessário, protegida contra o vento e chuva parecia um presente dos céus. Eles a cheiraram, olharam ao redor, entraram e saíram, testando o espaço e verificaram que estava vazia e não estava sendo usada. E, por fim, decidiram:
— “Juca, é perfeito, aqui será nosso lar”, gorjeou Flora.
Juca, pousado num galho próximo, concordou:
_ "Ficarei de guarda. Vamos começar a nossa família, Flora."
Em seguida, limparam a casa, colocaram alguns capins no interior, que carregavam, um a um, com seus bicos, forrando, assim, o chão duro de barro para ficar aconchegante. Não demorou muito para que Flora depositasse no interior da casa, sobre o ninho de capim, seus preciosos ovos esbranquiçados, três pequeninas pérolas brancas, e passou a chocá-los com paciência e carinho.
A rotina se estabeleceu: Flora, paciente e dedicada, passava os dias chocando os ovos, sentindo o calor da vida crescer sob suas penas. Juca, por sua vez, era o guardião incansável, mantinha-se sempre atento. Ficava próximo, pousado no galho vizinho, vigiando qualquer sinal de perigo. Ele patrulhava a área, alertando sua companheira, com piados de aviso, sobre a presença de gaviões ou escorraçando curiosos. Era um guardião corajoso e fiel. Juca também sempre trazia sementes e frutas para Flora.
Então, veio a recompensa alguns dias depois. Os ovos se mexeram. O suave quebrar das cascas anunciou a chegada de três minúsculas criaturinhas rosadas, nus, frágeis e famintas. A casa de barro, antes silenciosa, ecoava agora com os pios estridentes e alegres dos filhotes. O casal de periquitos entrou em uma frenética e feliz rotina de pais. Buscavam, revezando, sementes, pequenas frutas, brotos frescos. Entravam e saíam do ninho dezenas de vezes ao dia, sempre com cuidado, sempre em parceria. Juca e Flora preenchiam aqueles pequenos bicos abertos com o máximo de alimento possível.
Os filhotes cresciam dia a dia, ganhando as primeiras peninhas, finas como fios de tinta, criando, no início, uma penugem, depois penas. Eles ensaiavam seus primeiros e desajeitados saltos dentro da casa, aprendiam a se equilibrar e, por fim, a bater as asas.
Quando o dia chegou — aquele dia em que o céu estava claro e o vento parecia chamar — eles voaram próximo a casa. Pequenos, ainda trêmulos, um a um, com incentivo dos pais e o coração batendo forte, eles saíram da casa e fizeram seus primeiros voos, desengonçados no início, mas rapidamente ganhando confiança no vasto céu azul. Também aprendiam com os pais a se alimentarem, sem necessidade da ajuda deles. Em poucas semanas, os jovens periquitos estavam prontos para viver fora da casa e constituírem suas próprias famílias.
O casal de periquitos, exausto, mas radiante, em uma manhã, estava prestes a partir quando um barulho familiar ecoou na floresta: o tlec-tlec característico dos joões-de-barro. Eram Zeca e Nina, os construtores originais, que voltavam para inspecionar seu antigo ninho, talvez pensando em reformá-lo para uma nova ninhada ou apenas por hábito ou para lembrarem da felicidade que tiveram ali com seus filhotes.
Juca e Flora pousaram no galho ao lado da casa e esperaram que o casal de joões-de-barro os notasse. Zeca, o joão-de-barro, olhou para a entrada de sua casa, notando que parecia um pouco mais gasta, mas a casa estava intacta. Olharam para o casal de periquitos e seus filhotes já fortes, e nada disseram. Apenas observaram com olhos tranquilos e sábios. Eles sabiam que a vida segue, que um lar pode ser herança de amor.
Flora, agradecida, com a cabeça baixa em sinal de respeito, aproximou-se e gorjeou com suavidade:
— Obrigada. Sua casa nos acolheu. Aqui nossos filhotes nasceram e aprenderam a voar.
Juca continuou, com a voz cheia de gratidão:
_ "Permitimos-nos usá-la, e não sabemos como agradecer. Ela nos salvou. Nossos três filhotes nasceram e cresceram aqui dentro, seguros de todos os perigos. Estão prontos para sairem para o mundo."
Zeca e Nina se entreolharam. Os joões-de-barro são aves de hábitos, mas também de uma generosidade natural, embora inconsciente. Eles entenderam o que havia acontecido. Zeca respondeu com simplicidade, mas com a sabedoria de quem conhece a natureza:
— A casa é do vento e de quem precisa dela. Ficamos felizes que serviu a vocês.
Nina, a joão-de-barro, inclinou a cabeça e emocionada gorjeou:
_ "Uma boa casa é feita para proteger. Se ela serviu a vocês e aos seus filhotes, então cumpriu o seu propósito. Nossos filhos também foram gerados, criados e voaram daqui."
Zeca bateu o bico uma vez, em um gesto que parecia um aceno.
_ "Voem e sejam felizes. A casa estará aqui, se precisarmos dela novamente, ou se outra família precisar de um abrigo."
Juca e Flora sentiram seus corações aliviados. Com um agradecimento final e sincero, eles se juntaram aos seus jovens, agora a testar as asas no alto da copa das árvores. Eles olharam para trás, para a casa de barro que lhes dera uma família, e prometeram que sempre se lembrariam da generosidade silenciosa e anônima da casa emprestado.
O casal de joão-de-barro, também, logo partiria para construir uma nova casa, pois cada estação traz um novo capítulo.
E a casinha de barro permaneceu ali no galho, firme, paciente — esperando a próxima família que precisasse de um lar.
Poema inspirado no conto:
A Casa Emprestada
Ficava um lar de barro, redondo a repousar.
Obra de joões-de-barro, vazia a esperar,
Com a entrada lateral, forte pra abrigar.
Chegaram Juca e Flora, periquitos a vibrar,
Pequenos, verdes leves, em busca de um lugar.
A casa abandonada, um presente a se mostrar,
Perfeita e segura, o ninho a começar.
Com capins forraram, o chão duro a aquecer,
Flora pôs três pérolas, a vida a florescer.
Juca, guarda atento, a vigiar e a trazer,
Sementes e frutas, para o lar se manter.
Os ovos se abriram, num pio estridente e leve,
Três frágeis criaturinhas, rosadas, sem preceve.
Os pais em frenesi, a rotina que se eleve,
Alimento e carinho, o lar que se re-teve.
Ganharam cor e plumas, ensaiaram o voar,
Deixaram a casa emprestada, prontos para desbravar.
Zeca e Nina voltaram, a casa a inspecionar,
Os joões-de-barro construtores, que vieram recordar.
"Obrigada", gorjeou Flora, com a voz a agradecer,
"A casa é do vento", Zeca soube dizer.
A casa cumpre o propósito, de amor e de crescer,
Fica ali no galho, a próxima família a acolher.
(Marcos Alves de Andrade)
Acesse em Reflexões Para Todos :
Reflexões e mensagens sobre:
Meio Ambiente , Natureza , Clima , Animais
Poemas, Crônicas, Parábolas...
Nenhum comentário:
Postar um comentário