Na aconchegante casa de Dona Matilde havia um silêncio sereno todas as manhãs, mas um ritual sagrado de luz e afeto. O relógio de parede, com seu característico som de "tic-tac", marcador do tempo, com um ritmo constante que acompanhava a passagem dos momentos, marcava as primeiras horas do dia. O som dos passarinhos que vinham das árvores vizinhas anunciava que a vida estava despertando.
Dona Matilde, com sua rotina calma e cheia de carinho, levantava-se sempre no mesmo horário. Ajeitava os cabelos brancos em um coque e caminhava lentamente até a sala. Os primeiros raios de sol mal se atreviam a espreitar por entre as frestas das cortinas da janelas, já era possível ouvir o som suave dos chinelos de Dona Matilde a roçar o chão de madeira.
A sala, com seus móveis de madeira, sofá e almofadas coloridas, era o palco principal daquele espetáculo matinal. A cachorrinha Lica, de pelos fofos e brancos como nuvens e olhos de jabuticaba, já estava ali a postos, com o rabinho a abanar em antecipação. Ela sabia exatamente o que viria a seguir.
Diante da grande janela, com um movimento gentil, Dona Matilde puxava a cordinha da cortina. O sol, tímido no começo, como um holofote dourado, derramava seus primeiros raios sobre o chão de madeira, desenhando quadrados perfeitos. A luz suave e calorosa preenchia cada canto, espantando as sombras da noite. Se o dia estivesse bonito, e não houvesse sinais de chuva, ela também abria a janela. Uma brisa suave vinha carregada do perfume das flores do jardim e do frescor das árvores ao redor.
Assim que via a cortina se mover, ao ver a luz, Lica soltava um latido de alegria. Era o seu sinal. A festa começava. Ela corria de um lado para o outro, os pelos balançando como se dançassem. Dava voltas ao redor do sofá, pulava sobre ele com a agilidade de um esquilo, e depois descia, correndo em círculos novamente. Sua alegria era contagiante, um verdadeiro espetáculo de pura felicidade canina. Seus olhinhos brilhavam como se agradecessem pelo simples gesto da Dona Matilde.
Dona Matilde sorria, encantada com a festa diária. Depois de um tempo, Lica diminuía o ritmo. O sol entrava mais forte, a brisa já enchia a casa, e então, como parte de um ritual sagrado, a cachorrinha deitava-se no chão, bem no quadrado que o sol desenhara. Com um suspiro de satisfação, ela se virava, revelando a sua barriguinha branca. Aquele era o ponto alto do ritual. Lica esperava pacientemente. Ali ficava, imóvel, mas com o rabinho ainda abanando. Era seu pedido silencioso, mas cheio de ternura: um carinho na barriga.
Dona Matilde, compreendendo o pedido silencioso, se ajoelhava ao lado dela. Com as pontas dos dedos, ela começava a fazer afagos suaves na barriga da cachorrinha. Os movimentos eram lentos e ritmados, transmitindo todo o carinho que Dona Matilde sentia por sua companheira. Lica, por sua vez, fechava os olhos, a perninha traseira batendo no ar em um movimento de pura satisfação. Um sorriso, que só os cães podem expressar, se espalhava pelo seu focinho. Era a sua forma de dizer "obrigada" por aquele momento de paz e amor. Cada afago era um elo de amor, uma conversa sem palavras, uma promessa silenciosa de cuidado e companhia.
Enquanto fazia carinhos, Dona Matilde pensava no quanto aquela pequena criatura transformava seus dias. Depois que os demais moradores iam trabalhar ou estudar, a casa ficava grande demais, silenciosa demais. Mas a presença de Lica trazia vida e cor. Era como se, a cada manhã, a cachorrinha lhe lembrasse que diariamente havia beleza nos pequenos gestos e alegria nas rotinas mais simples. O carinho mútuo entre as duas era palpável. Era a prova de que as pequenas coisas da vida são as mais importantes: a luz do sol, a brisa fresca e a certeza de ter alguém que te ama.
Após alguns minutos de afagos, Dona Matilde se levantava, com calma, coração aquecido. “Agora chega, minha pequena, é hora do café”, dizia ela, enquanto caminhava para a cozinha. Lica, satisfeita, virava de lado, espreguiçava-se e a seguia com passinhos leves, como quem não queria perder a dona de vista.
Na cozinha, o cheiro do café fresco começava a invadir a casa, misturando-se com o perfume da brisa e com o calor do sol que entravam pela janela. Dona Matilde sorria novamente. Lica, ainda deitada no sol, a observava, com a certeza de que a cada novo amanhecer, o ritual de amor e luz se repetiria.
E assim, todos os dias, a casa de Dona Matilde se enchia de luz, de aromas e, acima de tudo, do amor incondicional que cabia no coração pequeno, mas imenso, da cachorrinha Lica.
Versão em prosa poética do conto:
A cachorrinha Lica, alegria de Dona Matilde
Na casa de Dona Matilde, as manhãs nascem com calma.
O sol, tímido, abre caminhos pela cortina, e o vento traz perfumes de jardim.
Nesse instante sagrado, Lica desperta, dançando com o rabinho, celebrando a vida que recomeça.
O silêncio se enche de movimento.
Entre passos lentos e o calor da luz dourada, surge o espetáculo da amizade.
Lica gira, salta, corre em círculos, como se cada gesto fosse música.
Dona Matilde sorri, e o coração se aquece na simplicidade do instante.
Quando o sol desenha no chão seu tapete de luz,
a cachorrinha Lica se deita, oferenda de ternura.
Mostra a barriga, olhos fechados, confiança inteira.
E Dona Matilde, ajoelhada, responde com afagos:
um diálogo sem palavras, onde só o amor fala.
Assim, todos os dias, o ritual se repete.
O café perfuma a cozinha, a brisa enche a sala, e o tempo se veste de paz.
Na companhia de Lica, a vida lembra, em sussurros:
No canto sereno da sala vazia, Ecoa o piano em doce melodia. Dedos deslizam, cordas a vibrar,
E um cão fiel começa a escutar.
Detona levanta a cabeça no ar, Seus olhos brilham, prontos a cantar. Não com palavras, mas com o coração, Um uivo sincero, pura emoção.
É mais que um som, é alma em voz,
Um laço invisível que une os dois.
Enquanto a música enche o lugar,
Detona responde, começa a uivar.
A valsa antiga, de tempo e memórias, Desperta no cão histórias notórias. Com seu dono, um lar, um tempo de amor, Que vive na nota, no uivo, no ardor.
E assim se repete, dia após dia, A mais bela forma de sinfonia. Não há plateia, não há multidão, Só um homem, um piano… e seu cão.
Conto que inspirou o poema:
O Concerto do Cão Detona
Na casa de esquina, ao lado de uma praça, com terraço na parte superior, telhado com telhas vermelhas, com janelas grandes e cortinas marrons, morava Marcos, um jovem com pouco mais de 20 anos de idade, seus pais e irmãs.
Na casa morava também um cachorro chamado Detona. Era um cachorro grande, de pelagem castanho-avermelhada e olhos atentos que pareciam entender mais do que apenas comandos. Havia algo de especial nele, algo que ninguém conseguia explicar. Desde cedo, ele demonstrava uma sensibilidade rara, um faro aguçado para música. Sim, música.
Marcos cresceu gostando de música. Seu pai e alguns tios participaram de bandas de música, quando jovens. Quando pequeno ganhou de seus pais um órgão musical infantil, depois, adolescente, ganhou um órgão musical maior. Logo que Marcos atingiu a maioridade, seus pais compraram um piano e o colocaram na sala. Ele gostou muito e tocava melodias naqueles instrumentos musicais quase diariamente, geralmente nas tardes.
Era fim de tarde quando Marcos, depois de estudar no terraço para a Faculdade de Direito, que cursava a noite, com Detona deitado ao lado, parecendo dormir, se dirigia à sala onde estava o piano, trazendo consigo o aroma amadeirado das partituras antigas que carregava.
Ao ver o dono se dirigir para a sala, Detona se levantava, espreguiçava lentamente e o seguia com passos calmos, mas firmes. Deitava-se ao lado do banco de piano, no chão frio da sala e apoiava a cabeça entre as patas dianteiras. Seus olhos acompanhavam cada movimento de Marcos, como se soubesse que a rotina mais esperada do dia estava prestes a começar.
Desde filhote, Detona mostrava um comportamento peculiar: toda vez que seu dono, Marcos, sentava-se diante do piano na sala, ele corria e se deitava ao lado, como se soubesse que algo mágico estava para acontecer. Marcos passava a tocar uma melodia no piano. Mas à medida que os acordes evoluíam, algo começava a mudar. Detona erguia lentamente a cabeça, os olhos semicerrados, a respiração ritmada.
Quando a melodia alcançava seu ponto mais alto, Detona não conseguia conter a emoção. Ele erguia a cabeça com lentidão, como em reverência, seus olhos brilhando como se fossem lágrimas presas, e então... uivava. Não era um som comum. Era puro, afinado, quase humano. Como se Detona não estivesse apenas ouvindo, mas sentindo cada nota, cada emoção. Era como se a alma da melodia passasse por suas cordas vocais.
Não era um uivo triste. Era um canto, uma nota prolongada, cheia de sentimento. Um som que se misturava às teclas do piano como se Detona e Marcos estivessem em perfeita harmonia. Os demais moradores da casa e os vizinhos, ao ouvirem, paravam tudo o que faziam. Alguns ficavam emocionados. Outros sorriam. Todos sabiam: Detona estava tocando com o coração.
Marcos parava de tocar por um instante, com os olhos marejados. Ele sabia que aquele uivo de Detona não era apenas uma reação. Era uma resposta. Um dueto. A música se tornara um ritual sagrado entre os dois. Marcos tocava, Detona uivava. E por aqueles instantes, não havia mundo lá fora, só um cachorro e seu dono, ligados por notas invisíveis.
E assim, em cada entardecer, naquela casa de esquina, a alma de Detona cantava — não com palavras, mas com o mais puro som do amor.
Era o Concerto de Detona.
Abaixo, o Poema, inspirado no conto "O Concerto do Cão Detona”.
Imagem original do Cão Detona:
Vídeo do Cão Detona uivando ao ouvir a melodia do piano:
Na aconchegante casa de Dona Matilde havia um silêncio sereno todas as manhãs, mas um ritual sagrado de luz e afeto. O relógio de parede, com seu característico som de "tic-tac", marcador do tempo, com um ritmo constante que acompanhava a passagem dos momentos, marcava as primeiras horas do dia. O som dos passarinhos que vinham das árvores vizinhas anunciava que a vida estava despertando.
Dona Matilde, com sua rotina calma e cheia de carinho, levantava-se sempre no mesmo horário. Ajeitava os cabelos brancos em um coque e caminhava lentamente até a sala. Os primeiros raios de sol mal se atreviam a espreitar por entre as frestas das cortinas da janelas, já era possível ouvir o som suave dos chinelos de Dona Matilde a roçar o chão de madeira.
A sala, com seus móveis de madeira, sofá e almofadas coloridas, era o palco principal daquele espetáculo matinal. A cachorrinha Lica, de pelos fofos e brancos como nuvens e olhos de jabuticaba, já estava ali a postos, com o rabinho a abanar em antecipação. Ela sabia exatamente o que viria a seguir.
Diante da grande janela, com um movimento gentil, Dona Matilde puxava a cordinha da cortina. O sol, tímido no começo, como um holofote dourado, derramava seus primeiros raios sobre o chão de madeira, desenhando quadrados perfeitos. A luz suave e calorosa preenchia cada canto, espantando as sombras da noite. Se o dia estivesse bonito, e não houvesse sinais de chuva, ela também abria a janela. Uma brisa suave vinha carregada do perfume das flores do jardim e do frescor das árvores ao redor.
Assim que via a cortina se mover, ao ver a luz, Lica soltava um latido de alegria. Era o seu sinal. A festa começava. Ela corria de um lado para o outro, os pelos balançando como se dançassem. Dava voltas ao redor do sofá, pulava sobre ele com a agilidade de um esquilo, e depois descia, correndo em círculos novamente. Sua alegria era contagiante, um verdadeiro espetáculo de pura felicidade canina. Seus olhinhos brilhavam como se agradecessem pelo simples gesto da Dona Matilde.
Dona Matilde sorria, encantada com a festa diária. Depois de um tempo, Lica diminuía o ritmo. O sol entrava mais forte, a brisa já enchia a casa, e então, como parte de um ritual sagrado, a cachorrinha deitava-se no chão, bem no quadrado que o sol desenhara. Com um suspiro de satisfação, ela se virava, revelando a sua barriguinha branca. Aquele era o ponto alto do ritual. Lica esperava pacientemente. Ali ficava, imóvel, mas com o rabinho ainda abanando. Era seu pedido silencioso, mas cheio de ternura: um carinho na barriga.
Dona Matilde, compreendendo o pedido silencioso, se ajoelhava ao lado dela. Com as pontas dos dedos, ela começava a fazer afagos suaves na barriga da cachorrinha. Os movimentos eram lentos e ritmados, transmitindo todo o carinho que Dona Matilde sentia por sua companheira. Lica, por sua vez, fechava os olhos, a perninha traseira batendo no ar em um movimento de pura satisfação. Um sorriso, que só os cães podem expressar, se espalhava pelo seu focinho. Era a sua forma de dizer "obrigada" por aquele momento de paz e amor. Cada afago era um elo de amor, uma conversa sem palavras, uma promessa silenciosa de cuidado e companhia.
Enquanto fazia carinhos, Dona Matilde pensava no quanto aquela pequena criatura transformava seus dias. Depois que os demais moradores iam trabalhar ou estudar, a casa ficava grande demais, silenciosa demais. Mas a presença de Lica trazia vida e cor. Era como se, a cada manhã, a cachorrinha lhe lembrasse que diariamente havia beleza nos pequenos gestos e alegria nas rotinas mais simples. O carinho mútuo entre as duas era palpável. Era a prova de que as pequenas coisas da vida são as mais importantes: a luz do sol, a brisa fresca e a certeza de ter alguém que te ama.
Após alguns minutos de afagos, Dona Matilde se levantava, com calma, coração aquecido. “Agora chega, minha pequena, é hora do café”, dizia ela, enquanto caminhava para a cozinha. Lica, satisfeita, virava de lado, espreguiçava-se e a seguia com passinhos leves, como quem não queria perder a dona de vista.
Na cozinha, o cheiro do café fresco começava a invadir a casa, misturando-se com o perfume da brisa e com o calor do sol que entravam pela janela. Dona Matilde sorria novamente. Lica, ainda deitada no sol, a observava, com a certeza de que a cada novo amanhecer, o ritual de amor e luz se repetiria.
E assim, todos os dias, a casa de Dona Matilde se enchia de luz, de aromas e, acima de tudo, do amor incondicional que cabia no coração pequeno, mas imenso, da cachorrinha Lica.
Versão em prosa poética do conto:
A cachorrinha Lica, alegria de Dona Matilde
Na casa de Dona Matilde, as manhãs nascem com calma.
O sol, tímido, abre caminhos pela cortina, e o vento traz perfumes de jardim.
Nesse instante sagrado, Lica desperta, dançando com o rabinho, celebrando a vida que recomeça.
O silêncio se enche de movimento.
Entre passos lentos e o calor da luz dourada, surge o espetáculo da amizade.
Lica gira, salta, corre em círculos, como se cada gesto fosse música.
Dona Matilde sorri, e o coração se aquece na simplicidade do instante.
Quando o sol desenha no chão seu tapete de luz,
a cachorrinha Lica se deita, oferenda de ternura.
Mostra a barriga, olhos fechados, confiança inteira.
E Dona Matilde, ajoelhada, responde com afagos:
um diálogo sem palavras, onde só o amor fala.
Assim, todos os dias, o ritual se repete.
O café perfuma a cozinha, a brisa enche a sala, e o tempo se veste de paz.
Na companhia de Lica, a vida lembra, em sussurros:
Nas noites de lua cheia, o silêncio se veste de espera, o vento suspende o sopro, a mata inteira se aquieta. Lá vem ela, com olhos de âmbar, cortando a noite sincera, seguindo o rio e a sombra, dona da rota secreta.
Seu pêlo dourado, manchado de arte divina, brilha como fogo guardado no ventre da selva. Cada passo é realeza, cada olhar, disciplina, o Pantanal se curva, e a própria vida se enleva.
Jacarés rendem-se à água, capivaras fingem ser chão, pois a rainha não caça sem que a fome a convoque. Sua presença é lei, sua voz, pura visão, governa em silêncio, sem trono que a provoque.
E ao nascer da manhã, sob um céu em chama aceso, ela ergue a cabeça, fitando o reino dourado. Com um salto desaparece, deixando apenas o peso de um mito vivo, eterno, pelo Pantanal coroado.
Conto que inspirou o poema:
A Onça-pintada, Rainha do Pantanal
Dizem que, nas noites de lua cheia, o Pantanal silencia de um jeito diferente.
As araras se recolhem, os jacarés espiam com olhos imóveis, e até o vento parece esperar.
É nessas noites que Ela caminha. Seus olhos, duas lanternas âmbar, veem através da escuridão, encontrando cada curva do rio, cada trilha escondida.
A Onça-pintada, de pêlo dourado salpicado de sombras, é mais do que um animal — é uma lenda viva.
Os ribeirinhos a chamam de Rainha. Não porque ela governe com ordens, mas porque ninguém ousa desafiá-la.
Em uma madrugada no coração do Pantanal, a névoa baixa dançava sobre as águas tranquilas, e o canto distante das araras anunciava que o sol logo se levantaria. Entre as sombras da mata densa, ela surgia — a Onça-pintada, rainha absoluta daquele reino verde e dourado.
Seu corpo, coberto de manchas como se fosse obra de um pintor divino, movia-se com a elegância silenciosa de quem conhece cada curva do território. Não havia pressa em seus passos; ela sabia que a floresta obedecia ao seu ritmo. Seus passos eram tão leves que nem a areia sentia.
Os jacarés, ao ouvi-la, preferiam deslizar discretamente para a água. As capivaras ficavam imóveis, tentando se tornar parte da paisagem. Mas a rainha não caçava por impulso — apenas quando a fome falava mais alto.
Naquele amanhecer, ela subiu em um tronco caído, ergueu a cabeça e olhou para o horizonte, onde o céu se tingia de laranja. Naquele instante, parecia que o Pantanal inteiro se curvava diante de sua presença. A onça não precisava rugir para impor respeito; sua história estava gravada em cada folha, em cada rio, em cada batida de asa.
E assim, com um salto suave, desapareceu entre as sombras, deixando apenas o farfalhar das folhas como prova de que a rainha passara por ali — eterna guardiã e alma selvagem do Pantanal.
Dizem que, nas noites de lua cheia, o Pantanal silencia de um jeito diferente.
As araras se recolhem, os jacarés espiam com olhos imóveis, e até o vento parece esperar.
É nessas noites que Ela caminha. Seus olhos, duas lanternas âmbar, veem através da escuridão, encontrando cada curva do rio, cada trilha escondida.
A Onça-pintada, de pêlo dourado salpicado de sombras, é mais do que um animal — é uma lenda viva.
Os ribeirinhos a chamam de Rainha. Não porque ela governe com ordens, mas porque ninguém ousa desafiá-la.
Em uma madrugada no coração do Pantanal, a névoa baixa dançava sobre as águas tranquilas, e o canto distante das araras anunciava que o sol logo se levantaria. Entre as sombras da mata densa, ela surgia — a Onça-pintada, rainha absoluta daquele reino verde e dourado.
Seu corpo, coberto de manchas como se fosse obra de um pintor divino, movia-se com a elegância silenciosa de quem conhece cada curva do território. Não havia pressa em seus passos; ela sabia que a floresta obedecia ao seu ritmo. Seus passos eram tão leves que nem a areia sentia.
Os jacarés, ao ouvi-la, preferiam deslizar discretamente para a água. As capivaras ficavam imóveis, tentando se tornar parte da paisagem. Mas a rainha não caçava por impulso — apenas quando a fome falava mais alto.
Naquele amanhecer, ela subiu em um tronco caído, ergueu a cabeça e olhou para o horizonte, onde o céu se tingia de laranja. Naquele instante, parecia que o Pantanal inteiro se curvava diante de sua presença. A onça não precisava rugir para impor respeito; sua história estava gravada em cada folha, em cada rio, em cada batida de asa.
E assim, com um salto suave, desapareceu entre as sombras, deixando apenas o farfalhar das folhas como prova de que a rainha passara por ali — eterna guardiã e alma selvagem do Pantanal.
Poema inspirado no conto acima:
A Onça-pintada, Rainha do Pantanal
Nas noites de lua cheia, o silêncio se veste de espera,
o vento suspende o sopro, a mata inteira se aquieta.
Lá vem ela, com olhos de âmbar, cortando a noite sincera,
seguindo o rio e a sombra, dona da rota secreta.
Seu pêlo dourado, manchado de arte divina,
brilha como fogo guardado no ventre da selva.
Cada passo é realeza, cada olhar, disciplina,
o Pantanal se curva, e a própria vida se enleva.
Jacarés rendem-se à água, capivaras fingem ser chão,